Conto - O INSTRUMENTO

Era uma vez uma linda família composta pelo marido, o senhor João, a esposa Dona Laura, e duas filhas crianças ainda. Lúcia era a caçula, e tinha apenas 8 anos de idade, e Clara 11. O Seu João era um pai amoroso, e adorava brincar com as filhas para distraí-las mesmo após um dia cansativo de trabalho na carpintaria. Ele brincava de casinha com as filhas e, para animá-las, dizia:

_ Hoje eu sou o cozinheiro. Vou fazer a comidinha.

E mexia nas panelinhas de barro com as quais as filhas brincavam. Ele disse ainda:

_ E tem mais: daqui a alguns dias eu trarei as duas casinhas das bonecas de vocês, e os móveis em miniaturas que estou fazendo lá na minha carpintaria. Vocês vão adorar! Serão presentes para vocês, minhas filhas lindas.

A Dona Laura achava engraçado o jeito carinhoso do Seu João, e comentava:

_ Deixa de mimar as meninas, homem! Você poderá estragá-las desse jeito. Não é assim que as pessoas dizem? Que muito mimo não é bom para as crianças?

E o Seu João responde:

_ Deixa disso mulher! De minha parte as minhas meninas terão todo o carinho e todo o mimo do mundo!

No dia seguinte, a Dona Laura passa um delicioso café. O Seu João toma o café com gosto; come um delicioso pão com manteiga; veste o guarda-pó e, quando estava saindo de casa, a senhora Laura faz a seguinte pergunta:

_ João, você tem trabalhado muito ultimamente. Tem certeza de que os brinquedos que você está fazendo para a Clara e para a Lúcia não vão te atrapalhar?

E o bondoso pai responde:

_ De modo algum! Agora eu preciso ir logo à carpintaria, porque chegaram algumas encomendas. Eu tenho que fabricar duas cadeiras, uma mesa e um armário, além de terminar as casinhas das bonecas e os móveis em miniaturas das minhas filhas. Eu não posso deixar de cumprir isso para elas, afinal, promessa é dívida.

E o Seu João se despediu da esposa, e foi trabalhar. Dona Laura lava os copos, a pia, e alguns talheres que foram utilizados no jantar do dia anterior. Ela também se serve do delicioso café que ela preparou; senta-se à mesa para saborear com calma este líquido precioso, e liga o rádio para se distrair. E eis que ouve uma notícia desagradável:

_ “Ouçam todos: Infelizmente as nossas fronteiras foram invadidas por soldados do exército de outra nação, e o nosso país decretou guerra. Como o exército nacional está com falta de homens para esta tarefa, os reservistas serão convocados!”.

 Desesperada e ciente de que o senhor João se encontra no limite de idade, e dentro do prazo estipulado desde o seu alistamento no exército, para uma futura e possível convocação para casos de guerra, a dona Laura agarra o seu terço; se debruça aos pés da sua santa de devoção e, com as lágrimas escorrendo pela face, suplica:

_ Oh minha santa! Não permita que isso aconteça! Impeça a convocação do meu marido. Eu não tenho trabalho. Nós temos que criar duas filhas. Elas são crianças ainda! Além disso, eu não quero que nada de mal aconteça ao meu marido, porque eu o amo muito. Ele é um homem muito bom e trabalhador! Por favor, minha santa querida, revogue qualquer convocação do meu esposo para a guerra que está prestes a acontecer. Eu vos suplico!

Mas, infelizmente, o pior aconteceu: Uma semana se passou, e nada do senhor João retornar do trabalho. A ditadura que imperava teria sido cruel com ele, pois o enviou à guerra sem ao menos ter o direito de avisar a esposa. Ao ligar o rádio na estação da cidade onde mora, dona Laura cai em prantos ao ouvir o nome e sobrenome do marido na lista de quem já foi para a guerra, aliás, pior que isso, na lista dos que foram para a guerra e lá faleceram. O locutor da rádio, seu Vicente, era amigo do Seu João, desses de jogar conversa fora nas praças da cidade. Por este motivo, com tristeza no tom da sua fala, ele anuncia aos seus ouvintes:

_ “É com pesar, com o coração partido, e com lágrimas nos olhos, que eu confirmo a morte desse meu amigo que era um irmão pra mim: O João das Dores, marido da Dona Laura que todos conhecem. Ele faleceu na guerra! Devemos guardar na lembrança o homem justo e o pai bondoso que ele foi. Quis o destino que ele morresse como um herói que luta pelo seu país e pelo seu povo. Não tenho mais palavras à altura do João para que eu possa homenageá-lo.”

E os dias foram de sofrimento para a Dona Laura que, sem o marido, passou a receber um salário minguado destinado aos ex-combatentes, o qual mal dava para pagar as contas mensais. Em casa, mesmo costurando para fora, mas sem um trabalho e um ordenado digno, as dificuldades financeiras foram aumentando, pois Dona Laura tinha que sustentar as duas filhas. Dona Matilde, a vizinha da Dona Laura, a qual tinha encomendado uma das cadeiras ao seu João, fez uma visita para a Dona Laura. E elas conversaram:

_ Sei como deve estar se sentindo, Laura. Meus sentimentos.

_ Obrigada, amiga. Será difícil o dia a dia sem o meu companheiro, e com duas filhas pequenas para criar.

_ Laura, eu sei que não é o momento, mas eu gostaria de saber se o Seu João terminou de fabricar a minha cadeira de madeira que eu encomendei com ele.

_ Ah amiga, venha comigo, vamos à carpintaria. Eu preciso mesmo fazer uma faxina lá, e ver se tem algum objeto pronto para ser entregue, pois eu pretendo cumprir com os compromissos assumidos pelo João.

E elas foram à carpintaria. As filhas, Clara e Lúcia, tomadas pela curiosidade, foram também. A carpintaria tinha um cenário rústico. Era madeira e ferramenta pra tudo quanto é lado! Para a infelicidade da Dona Laura, lá estavam as duas cadeiras, a mesa e o armário que foram encomendados, nos quais o seu João estava trabalhando, mas todos esses objetos estavam inacabados. Faltavam as pernas das mesas e cadeiras. As casinhas das bonecas e os móveis em miniaturas que seriam presenteados para as pequenas Clara e Lúcia, também não estavam prontos. A tristeza por não poder cumprir com as obrigações do marido ficou evidente no semblante da dona Laura, que não conseguiu evitar que uma lágrima escorresse pela sua face nesse momento. Matilde, a vizinha amiga, para o consolo da Dona Laura, diz para ela:

_ Laura, não se preocupe. Eu conheço as pessoas que encomendaram as demais cadeiras, bem como a mesa e o armário. Eu conversarei com elas, e as convencerei que não foi possível o término dos trabalhos do seu João, e pedirei para elas que se esqueçam do dinheiro pago, caso tenham pago antecipadamente, o que eu acho que não aconteceu, porque o Seu João não costumava receber adiantado.

Aliviada, a Dona Laura responde:

_ Você faz isso por mim, amiga?

_ Com certeza, fique tranquila.

Enquanto isso, Lúcia, a filha caçula, curiosa como ela só, observa atentamente a carpintaria, e vê uma ponta de madeira saliente debaixo do que seria a parede da sua casinha de boneca, a qual estava inacabada. Ela se abaixa, segura a madeira e puxa o objeto. Para a sua surpresa, tratava-se de um belo instrumento musical de cordas. Esse sim estava completamente pronto, à espera de alguém que extraísse sons deste belo instrumento de madeira fabricado pelo senhor João. Inteligente que só ela, a pequena Lúcia pensa:

_ “Que maravilha! Alguém deve ter encomendado este belo instrumento com o papai! Sim, porque se a preocupação dele era com as cadeiras, a mesa, o armário e os nossos brinquedos, era sinal de que poderia existir algum objeto de madeira pronto, à espera de quem o encomendou antes dos objetos inacabados. E se este instrumento está aqui pronto, talvez há um bom tempo, com a notícia da morte do papai, talvez essa pessoa nem pense mais em vir buscá-lo. Eu gostei deste belo instrumento! Enquanto o dono não aparecer, eu ficarei com ele, e cuidarei bem dele também.”

Lúcia foi a última a sair da carpintaria. Ela escondeu consigo o belo instrumento, e deixou que a sua mãe, a vizinha e a irmã saíssem na frente. Os dias se passavam, e as dificuldades financeiras na casa da Dona Laura aumentavam cada vez mais. Mas, com o passar dos meses, para a felicidade da família, Dona Laura e Clara perceberam que as contas da venda do Seu José, o comerciante da cidade, não aumentavam, mas, pelo contrário, estavam diminuindo. Admirada com o fato inusitado, e achando que o senhor José estaria se equivocando no cálculo das contas, Dona Laura vai à venda, e pergunta para o seu José:

_ Senhor José, eu não estou entendendo: Nós temos até aumentado a quantidade de mantimentos em nossas compras, porém, no momento de pagar as contas mensais, eu percebo que os valores estão cada vez mais baixos.

E o senhor José responde:

_ Dona Laura, eu não queria te contar, porque ela me pediu segredo, mas... onde é que está a Lúcia, a sua filha caçula, neste momento?

_ Ora, Seu José, ela deve estar em casa brincando com a Clara que é a minha filha mais velha.

_ Nada disso, Dona Laura. Dá uma olhada na praça aí em frente.

E, para a surpresa da Dona Laura, ela vê, com os próprios olhos, Lúcia tocando o instrumento de cordas como ninguém, e com um chapéu no chão, o qual estava recheado de notas e moedas. E a Dona Laura exclama:

_ Eu não posso acreditar!

_ É isso mesmo, dona Laura! Tem sido assim em quase todos os dias! Ela sempre dá um jeitinho, e vem à praça, para tocar este belo instrumento de madeira. Ela tem um talento e tanto! Como não estudou música, ela deve tocar “de ouvido” como dizem. Parabéns pela sua filha! Ela é muito talentosa!

_ Mas, Seu José, o que é que esse passatempo da minha filha tem a ver com as contas que eu devo ao senhor, cujos valores estão cada vez mais baixos?

_ É simples: Depois do show na praça, Lúcia atravessa a rua; vem direto para a minha venda e, em cima do balcão, ela vira o chapéu, e despeja o dinheiro, ou seja, todas as notas e moedas que ganhou das pessoas as quais gostaram de vê-la tocar, e a recompensaram por isso. E então, ela pede para que eu desconte o valor total das notas e moedas nas contas mensais da senhora.

Emocionada, e com um orgulho enorme da filha caçula, Dona Laura se encontra com ela na praça; agradece; lhe dá um beijo carinhoso no rosto; a abraça, e a convida a ir para a casa, para contar à Clara sobre a novidade. Dona Laura voltou a ser feliz novamente, após a perda do marido, por se dar conta de que tem duas filhas maravilhosas. Para comemorarem a boa fase financeira, bem como o amor, a paz e a harmonia na família, Dona Laura contrata um dos melhores fotógrafos da cidade, o qual tira uma bela foto de recordação para a família:

 

 

 

Foto: Domínio Público