Crônica - O bom Portunhol                                       

Tem gente que diz que falar portunhol é uma afronta à cultura. Eu não penso assim. Em conversas informais, acho divertidíssimo ouvir diálogos em que entram palavras nossas que não existem em castelhano, pronunciadas com o sotaque deles. O ouvinte fica meio atordoado, claro, mas ao final compreende. Não pela palavra em si, mas por causa do sotaque.

Entre os latino-americanos, os argentinos são os que nos entendem melhor, certamente porque têm bastante convivência com brasileiros. Acostumados a passar temporadas em nossas praias, a visitar o Rio de Janeiro e Salvador, nem se empenham em aprender português. Falam, são compreendidos e não estão nem aí.

Colombianos e chilenos vão até certo ponto. Com eles é preciso encontrar palavras e construções mais adequadas para que a conversa não emperre. E tomar cuidado com algumas corriqueiras para nós, muito feias para eles e vice-versa.

Os mexicanos, esses não compreendem nada do que dizemos em português! Se contarmos que alguém é surdo, eles acham que a pessoa é canhota...e a confusão logo se estabelece. Ou então ficam repetindo “no comprendo, no comprendo”, como uma conhecida minha, incapaz de perceber as mais gritantes semelhanças entre os nossos idiomas.

Entretanto, se trocarmos o tom da conversa para um bom portunhol, tudo ficará mais fácil.

“Bom portunhol” não quer dizer inventar palavras. Podemos misturá-las e usar o sotaque. O mais importante, porém, é a entonação. Esta é que é a chave do mistério. Tratando-se de língua estrangeira, nem é necessário que se pronuncie perfeitamente tudo. Quanto mais a entonação se aproximar da usada por eles, mais rápida se dará a compreensão. É quase uma questão musical. Cada idioma tem a sua “musiquinha”.

A verdade é que o portunhol facilita a comunicação com nossos vizinhos. Mesmo quando a invencionice extrapola os limites do bom senso, como a garota portenha que vivia no Brasil e não queria “engordecer” ou o rapaz brasileiro que, na Argentina, adorava   tomar “cueca-cuela”.

Este expediente linguístico não é exclusivo de pessoas abastadas que costumam viajar pelo mundo. Gente simples, que pouco frequentou a escola, também sabe se utilizar dele quando em contato com os gringos.

Na praia de Canasvieiras, em Florianópolis, infestada de argentinos durante o verão, vi um vendedor circular pela areia gritando um monte de abobrinhas portunholadas. Mas a melhor delas estava estampada em grandes letras nas costas de sua camiseta:  ”Yo bebo tuedas”.

 

(2007)

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Crônica -  Eu contribuo para o sonho dos outros

 

A cada início de ano, novas caras. Pessoas que nunca se viram de repente encontram-se na mesma sala de aula. Em uma escola de línguas as turmas são pequenas, mas com público variado. Senhores e senhoras ao lado derapazes e moças que podem ser estudantes universitários, engenheiros, arquitetos, médicos, pilotos, advogados... e até mesmo aposentados. Paralelamente à busca do objetivo comum, algo muito interessanteacontece: a troca de experiências logo se estabelece. Ao treinar o novo idioma, cada qual fala de si, daquilo que faz, do que gosta ou deixa de gostar e também dos motivos que o levaram a estudar a tal língua, nesse caso, o francês.

Para alguns é o trabalho que exige, outros pensam em melhorar o currículo, ler livros e jornais estrangeiros ou ainda se preparar para exames do mestrado ou doutorado.  E quase todos sonham com a viagem que um dia pretendem fazer, cada uma diferente da outra.

 

Na turma que tenho atualmente, uma moça se prepara porque decidiu que daqui a dois anos vai comemorar seu aniversário em Paris. Um rapaz que se casará em breve vai passar a lua de mel na França... Outra moça é produtora de chocolates (chocolatière) e precisa de tempos em tempos ir à Bélgica fazer cursos e comprar matéria-prima. E o mais inusitado de todos é o rapaz que deixou a arquitetura para se dedicar à música. Estuda francês para ter melhor desempenho ao cantar óperas. É tenor!

 

(27/jan/11)