Poemas
A MISÉRIA DO TEMPO
Haverá deus maior,
Dentre os deuses que a mente faz,
Que o tempo, severo e raso,
O tempo implacável dos sós mortais?
Haverá mal maior,
Dentre os fardos que a vida traz,
Que o tempo, passivo e certo,
O tempo impávido de nós, mortais?
Porque virá o tempo
De colher almas
E, no seu passo,
Eu passarei.
Virá o tempo
Da redenção...
E em seu hiato
Renascerei.
E, no entanto,
Direi com força,
Aos pés de Bergson
Renovado:
O tempo tirano,
Métrico e cego...
O tempo profano,
Que a ninguém lego,
E que reside
Nos pulsos do Homem...
Não é este, deveras,
O tempo dos que não comem.
Se do claustro do tempo-objetivo
- Que é o tempo de todos nós -
Pudessem eles acaso ser livres,
A eternidade da fome,
Que o tempo jamais consome,
Torná-los-ia quiçá mais felizes?...
Se é um tempo-quadro, insípido,
Também é certo que os fere menos
Que a realidade do seu tempo-inferno!
A desses minutos, intermináveis,
Ditados por seu tempo interno...
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VESTAIS DE SATÃ
Tiros no átrio escolar,
Sangue em lugar de divã.
Mata quem quer se imolar,
Canta-se a morte mal-sã!
Caça-se o mouro histrião,
E vinga-se o mal com a dor.
Dobram-se as leis e as fronteiras
Diante de um «justo» fragor.
Dão-se os cobrões da miséria
Aos povos agora emergentes.
China, Coréia ― Brasil?
E foi-se o «trabalho decente»...
Água, unguento finito,
Que, rara, rareia a vida.
Lixos, dejetos, venenos,
Espólios da raça suicida.
Eis a cruenta ribalta
Na récita de um Fausto infausto.
O último grito da malta
No opróbrio do último claustro.
E, em proclamas do não-amanhã,
Anunciou-se o festim de Satã...
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FADÁRIO DE BÊNÇÃOS
Por que não te amei antes,
Se por ti hei de sempre encarnar?
Eis, dos umbrais distantes,
A indagação que não quer calar...
Das lembranças que tenho,
Você é a mais querida.
Das dores que sofro,
Sua ausência é a mais doída.
Das luzes que outrora via
E dos prodígios da pátria astral,
Restou-me apenas o teu cálido fulgor.
E, na vida que aqui me coube,
Aliviou-me entrementes
O séqüito de tão radiante Amor.
Mas não foi pouca a tensão da busca,
Nem de somenos a desesperança.
Se me cabia tê-la ao primeiro átimo,
Por que, redivivo, dei-me a outras andanças?
Das saudades de outrora,
Nenhuma me fez mais trépido.
E foram tantos os “amores” perdidos!
Todos tíbios, insossos ou tépidos...
Há mais, muito mais,
Que os idos tempos
Testemunharam...
Mas não serei eu próprio a dizer-te:
Decerto que podes ver,
Pelas sendas que os olhos singraram.
Por tanto que sei e sinto,
Como ébrio em rios de absinto,
Ouço de novo, de umbrais distantes,
A pergunta que não faz calar:
Por que não te amei antes,
Se por ti hei de sempre encarnar?