Conto - O Velho castro

 

O Bento Rosa morava no meio do mato. Numa grota, fez uma casinha, perto de um riacho e cortou árvores em volta para poder pegar sol e plantar uma horta, criar galinha e ter um chiqueiro de porco. Era bom de prosa e um violeiro de primeira qualidade. Sempre depois de muita conversa ele pegava a viola e cantava moda sertaneja de raiz, com muito talento.

Numa conversa, perguntei a ele se não tinha medo de onça, de cobra ou de algum animal selvagem. A mata era muito grande, nas terras do Dr. Lulu, indo do bairro do Pinheirinho, em Redenção, até o Bairro do Gramado, em Natividade, onde ficava a sua moradia. Ele disse que tinha muita cobra, mas seu corpo era fechado. Onça ele via, às vezes, mas só de longe. O que lhe dava medo era a lenda de que por ali andava um velho montado num burrico, capaz de subir e descer em pirambeiras impensáveis, absolutamente impossíveis para gente deste mundo. Disse que nunca viu, mas, de vez em quando, os cachorros latiam muito no terreiro e notava seu corpo todo arrepiado. Até barulho de galhos se quebrando conseguia ouvir. No outro dia ia verificar e não via nenhum resquício.

Segundo a lenda, era o Velho Castro que andava por lá porque não foi enterrado, quando morreu.

Era um homem muito ruim, capaz de atirar num negrinho que mandara subir numa porteira, só para mostrar para um amigo a potência de sua arma. Meu bisavô diz que um dia foi visitá-lo, para a compra de um gado e, quando conversavam, o feitor veio dizer que o negro não suportou as cinquenta chibatadas e morreu. O Velho determinou que completasse o castigo no morto.

Dizem que tinha o hábito de enterrar riquezas, como joias, barras de ouro, pedras preciosas... levava um escravizado para carregar a muamba. Ia com seu burrinho na frente, achava um lugar bem escondido e o negro fazia um buraco grande. Neste ponto, matava o coitado e enterrava junto com as prendas para que nunca ninguém revelasse o lugar onde havia escondido. A descrição de um homem no burrinho que assombra aquela mata coincide com a figura do assassino.

Um dia, o Velho morreu. Pouca gente naquela fazenda enorme velando o cadáver, mostrando que o povo do lugar não nutria amizade por ele.

De repente, chega um Trolley grande puxado por cavalos pretos, com pessoas desconhecidas e estranhas, homens de roupa preta, altos, magros, de cartola, muito pálidos, com aspecto sisudo. Disseram que eram amigos do falecido e que vieram de muito longe e solicitaram permissão para ficar sozinhos por algum tempo, para suas próprias orações. Os familiares se retiraram para outro cômodo do casarão e conversavam calmamente, quando ouviram barulho, como tropéis de cavalos em disparada. Já estava anoitecendo e estranharam que o Trolley se distanciava da casa, mas não pelo caminho e sim pelo morro, no meio do pasto. Viam faíscas de fogo com as batidas das ferraduras nas pedras e quando os cavalos bufavam, saia uma fumaça escura de suas narinas. Em disparada, virou morro adentro e quando deram pelo ocorrido não viram mais nada. Nem rastro.

Todas as elucubrações tiveram lugar naquela hora. O que fazer? O que enterrar no seu lugar? Não fazer o enterro seria uma heresia muito estranha.

Cortaram um pé de bananeira e puseram no caixão que permaneceu fechado durante o enterro.

Todo o povo da cidade garante que o Velho Castro foi levado para o inferno de corpo e alma. E por não ter sido enterrado, até hoje perambula com seu burrinho pelos lugares onde enterrou sua fortuna. Há quem diga que é para impedir que algum atrevido e corajoso queira fazer buracos na mata à procura de riqueza.