Biografia da Acadêmica Judith Mazella de Moura


Quando daqui a 100, 200 ou 500 anos, historiadores forem contar a história de Taubaté, seguramente essa história incluirá o nome da filha de imigrantes, Judith Mazella Moura, uma das pessoas mais realizadoras que já conheci e que tenho a grande sorte de chamar de avó. Muitos a conheceram por sua vida pública, por seus feitos e por suas realizações e também por ter sido uma mulher que abriu as portas, uma mulher que, por meio de seus atos e realizações, indicou o caminho, mostrou às outras mulheres que era, sim, possível ter um papel de destaque, na sociedade, baseado em suas próprias competências e em seu próprio mérito. Mas essa é apenas parte da história, mas a grande  maioria das pessoas desconhece a Judith mãe, avó, que se dedicou anos e anos à família,  que se tornou advogada apenas após os 50 anos de idade, quando muitos  já estavam entrando em seu outono.

Filha de um italiano e de uma portuguesa, Judith nasceu, em Taubaté, numa época em que as mulheres não podiam votar. Foram apenas 12 anos após o seu nascimento que as mulheres puderam votar, pela primeira vez, no nosso país, mas, já naquela época, ela teve o seu primeiro contato com a mobilização política quando junto a outras pessoas ia levar comida, na estação de trem da cidade para os soldados constitucionalistas de 1932, que se encaminhavam para frente leste de batalha, lutando para que a Constituição prevalecesse sobre os desejos do ditador Vargas.

Alguns anos mais tarde, Judith, acabando o Ensino Médio, poderia seguir o caminho natural à época e se tornar uma dona de casa, teria sido uma vida boa, confortável e previsível; mas podia ela também decidir abraçar uma profissão. Na época, as poucas mulheres que tinham uma profissão se limitavam aos papéis clássicos de professora ou enfermeira, mas Judith - já amante do esporte - queria estudar Educação Física; infelizmente sua mãe, rígida nos valores e costumes,  impediu-a de cursar Educação Física, obrigando-a a prestar a prova para ser Professora normalista. Judith, já demonstrando a sua independência de pensamentos e ações, sua forte personalidade, decidiu, então, entregar a prova em branco. Se não pudesse estudar o que queria, que pudesse, então, não fazer o que não queria. E assim foi, prova em branco, sem profissão, mas com consciência tranquila de que estava seguindo o seu próprio caminho.

 Logo, ela se casou com  Geraldo e buscou sua realização nos esportes de outra forma, jogando vôlei, basquete, praticando natação e se dedicando ao seu esporte preferido, o tênis, o qual, muitas vezes, na ausência de oponentes femininas, acabava por jogar contra oponentes masculinos. Até o final de sua vida, foi grande admiradora da Maria Esther Bueno e torcedora do São Paulo. Curiosamente, não pôde conhecer pessoalmente a Maria Esther, mas uma bisneta sua, moradora de São Paulo, pôde conhecê-la recentemente durante uma excursão da escola à redação de um jornal. Judith certamente teria apreciado a foto em que as duas aparecem juntas! Tanto nos esportes individuais como nos coletivos, ela disputou vários campeonatos, viajou para várias cidades, defendendo as cores azul e branco e colecionou várias medalhas e troféus, mas para mim (que também tive a honra de entrar nas quadras de saibro com ela), o que mais me marcou foi quando a vi num jogo de demonstração, no Country Club da cidade, durante um torneio que levava justamente o seu nome. Tinha ela 81 anos na ocasião.

Após,  casada, ela foi morar, na Fazenda Sertão, localizada a cerca de 30km do centro, no bairro do Ribeirão das Almas em Taubaté, apoiando o seu marido nas atividades rurais e industriais que ele empreendia. Teve ela cinco filhos (a primeira filha faleceu criança) e, no início da década de 1950, pensando na educação dos filhos, foi morar, na cidade, estabelecendo-se, na Rua Quatro de Março, vendo o seu marido aos finais de semana. Foi uma época de intensas realizações. Ao mesmo tempo de que participava ativamente da educação dos filhos, ela escrevia poemas, livros, novelas para rádio, participou da vida social da cidade, liderando obras beneméritas e, em 1963 - a mulher que havia nascido numa época em que mulheres não votavam -  candidatou-se e se tornou a primeira Vereadora eleita da cidade, participando da 5ª Legislatura. Era a única mulher que compunha a Câmara Municipal. Conhecida por suas opiniões fortes, assertividade e por falar o que pensava, foi uma Vereadora combativa, lutando pelo que considerava justo pela cidade sem espaço para acomodações. Nunca retrocedeu em seus posicionamentos e sempre atuou de acordo com suas convicções, comprando as brigas que fossem necessárias (e, muitas vezes, colecionando alguns inimigos no caminho) para implementar as leis nas quais acreditava e fazer as mudanças  pela qual a cidade tanto clamava. Foi Vereadora, por duas vezes consecutivas, quando, já na década de 1970, a mulher que entregou a prova em branco decidiu, finalmente, abraçar uma profissão, ingressando, na Universidade de Taubaté, para cursar Direito, faculdade que fez quase ao mesmo tempo que uma de suas filhas que havia ingressado pouco tempo antes na mesma Instituição. Naquela época,  fez parte de um grupo de mulheres latino-americanas que permaneceu por três meses, no Chile, num programa da OEA (Organização dos Estados Americanos) de desenvolvimento de lideranças. Seu marido permaneceu, em Taubaté, durante o período, e perto do final do curso embarcou num 707 a tempo de ver Judith ser a oradora da turma em célebre discurso realizado, na capital Santiago "O que são nossos países? serão eles meros pontos no mapa?" foram as palavras iniciais do seu discurso.

Graduando-se em Direito, desenvolveu uma carreira como Advogada pelos próximos 30 anos seguintes. Numa época em que pessoas de sua idade já estavam muito mais preocupadas em se aposentar do que em construir algo para a sociedade, não deixa de ser curioso que muitos creem que suas atividades como Advogada "sempre existiram", como se ela tivesse se formado aos 20 poucos anos e exercido a profissão desde então. Mas, na verdade, houve todo um tempo de dedicação à família, à cidade e somente depois Judith decidiu estudar e se tornar uma profissional das leis, dedicando-se à práxis do direito. Na década de 1980, ao mesmo tempo em que desenvolvia e já consolidava uma brilhante carreira, nas leis, uma inesperada notícia abalou a família. O câncer de seu marido foi descoberto, em 1980, e, pelos próximos seis anos seguintes, Judith lutou bravamente junto com ele contra a doença. Foram anos muito difíceis, anos de altos e baixos, de luta e de esperança, mas também de realidade e decepções e, em 1986, seu marido faleceu. 

Foram meses e anos difíceis. A saudade, a solidão, o vazio no peito. Mas estamos falando de Judith Mazella Moura, a mulher combativa e realizadora que, após um longo e tenebroso inverno pessoal, findo o período de luto, levanta-se novamente! Seus melhores anos estavam à frente, como sempre estiveram. Em 1988, decide lutar novamente por uma vaga, na Câmara Municipal, lança-se candidata e é eleita para o seu terceiro mandato. Tinha já 68 anos de idade. Para mim, foi o seu melhor período. Já com nove netos naquela época, continuou lutando por aquilo em que acreditava e, ao mesmo tempo, estava mais perto da família da qual tinha orgulho a cada realização de seus filhos e netos. Num determinado ano foi a Vereadora que mais apresentou projetos de lei e foi ainda presidente da Câmara, a primeira mulher presidente da Câmara de Taubaté. Seu mandato terminava, em 1992, quando voltava ela a se dedicar com mais afinco à carreira de advocacia, à família e às atividades de que realmente gostava como, por exemplo, a literatura e o jornalismo. É famosa a sua coluna diária "Bom Dia Taubaté" no jornal "A Voz do Vale" e o seu personagem "Zé Baté" que, por alguns anos, era a voz dos problemas da cidade nas páginas da imprensa escrita. No começo dos anos 2000, é laureada com o Troféu Bandeirante, recebe a Comenda Jacques Félix e ingressa, como membro titular, na Academia Taubateana de Letras, ocupando a cadeira número 8 do patrono Umberto Passarelli, publica o livro "Paula" escrito ainda, na década de 1960, e decidiu escrever um livro de memórias e da história da cidade vivida por ela, livro no qual faz muitas revelações acerca dos bastidores da política da cidade. Chegam os primeiros bisnetos e vemos uma Judith mais leve, de certa forma renovada e ainda mais feliz consigo mesma. Era como alguém em paz, que havia vindo a este mundo, construído as obras a que se propusera e que vendo a família unida e seguindo seus próprios caminhos, havia finalmente cumprido a sua missão. Numa tarde cinzenta, no dia 29 de novembro de 2007 Judith veio a falecer. Contrariando a expectativa de muita gente, a seu pedido, seu corpo foi velado, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil e não na Câmara Municipal ("vereadora é uma ocupação, não uma profissão!" costumava dizer, deixando claro que se orgulhava mais de sua profissão de advogada, do que de sua ocupação de vereadora) e assim foi. No dia seguinte, Judith foi sepultada junto ao seu marido, no jazigo da família, no cemitério da Venerável Ordem III da Penitência de São Francisco, na mesma cidade em que nasceu.

Sei que Judith sempre será lembrada pelos seus feitos, realizações, pelo seu espírito combativo e, sobretudo realizador! Será lembrada também por seu uma mulher determinada que mostrou às mulheres da cidade que havia um outro caminho possível, que as realizações familiares poderiam ser complementadas também com realizações para a cidade, beneméritas, esportivas e profissionais. Será, por último, lembrada não por ter se preocupado  em escrever a história, mas sim, por fazer a história. "Sei que a história me julgará, e não temo o seu julgamento" foi uma de suas últimas frases devidamente registrada pela imprensa local. Mas, no final, no final mesmo, o que realmente fica para nós da família é a imagem da avó dos almoços de domingo e que aos sábados à tarde gostava de fazer doce de banana para seus netos.

Realmente, esperamos que sua vida continue servindo de inspiração para todos os brasileiros e que todos possam se inspirar no seu exemplo em busca de seus sonhos e de suas realizações.

Em  26 de outubro de 2001, foi eleita Membro Titular pela Academia Taubateana de Letras, ATL, para ocupar a cadeira nº 08, Patrono: Umberto Passarelli.

 

Depoimento de Luiz Felipe Cursino de Moura Guarnieri