Beatriz de Oliveira Costa Cruz -  Cadeira nº 25 da ATL - Patrono: D. Duarte Leopoldo e Silva

E POR FALAR EM SAUDADE...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Prefácio, apresentação, introdução... Alguns livros justificam o formalismo das palavras de abertura de livros. Existem situações, porém, que tais investidas não vestem bem o corpo de escritos saídos da saudade, da vontade de repartir experiências e simplesmente de contar casos. Quando isto acontece, a tarefa de quem é convidado para escrever as páginas inaugurais de um livro de memórias deve permitir voos livres por céus e mares amplos. Rebaixado o formalismo, resta flanar em considerações mais afetivas que técnicas e aproveitar a paisagem feita de frases bem recortadas.

Na intimidade confidente, portanto, devo dizer que me sinto mais achegado como leitor do que comentarista. E me explico: conheço Beti Cruz desde os tempos em que era de Oliveira Costa. Mesmo quando deixou Taubaté, cá e lá se ouvia referências àquela moça que “foi pra São Paulo” e depois, “de lá para o mundo”. Sabia-se que era bem formada, que em Taubaté foi aluna de escolas que conhecemos e em seguida, de outros colégios importantes da capital. Ah!, Sabia-se também que viajava muito e falava línguas. Entre notícias vagas, porém, contava-se que Beti gostava de escrever. Passados anos, eis que tudo se explica: a menina que se foi, voltou senhora, mãe e avó e se reinventou em Taubaté de onde, na realidade, nuca saiu de vez. As viagens viraram itinerários encantados e suas lembranças agora ganham forma de livros. Tudo narrado a partir de sementes férteis.

MINHA TAUBATÉ DOS ANOS 50 dá conta de tudo isso. Na verdade, se trata de um livro dividido em duas partes, onde numa primeira, vários temas são visitados sob a chave de uma saudade pessoalizada; então diversos assuntos são passados em revista e detalhados no aconchego das recordações. E como nunca a palavra recordação se faz sugestiva: ação de lembrar pelo coração. Mas, isso não é tudo, destilados em crônicas mágicas uma segunda parte se multiplica em comentários que, ainda que dispersos, não perdem a unidade e a graça de uma vida que quer se narrar. Juntas as partes se completam, possibilitando uma pequena epopeia cheia de evocações poéticas e remessas ternas. Diria que o talento narrativo da autora tem uma organização traiçoeira. Com muita sagacidade, o percurso narrado se orienta por uma estrutura geográfica, algo ardilosa. As descrições de seu universo infantil, dos labirintos e caminhos da meninice, das misteriosas capelas, das andanças por escolas, palcos, ruas, sugerem rumos que explicam a percepção de alguém que sendo de dentro consegue se ver como se de fora fosse. É aí que a arte se faz feitiço e nos cativa.

Ao retomar suas peripécias, depois de se apresentar no tecido local de sua casa, as contações vão se alargando e assim se apresentam vizinhos, parentes, e tudo ganha a cena de festas juninas, carnavais, celebrações em família. E então aparece a coca cola, doces caseiros, queijos e comidas familiares. Diria que a combinação dos sentidos atiçados pela autora dão conta de um laço de saudade que amarra fatos, pessoas e casos que merecem o abraço de quem conheceu e dos que perderam por não pertencer a esse mundo. Mas há redenção para todos, a leitura deste conjunto de histórias. Divirtam-se...